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Duelo com Satã

Quando a areia repousa no fundo do lago, cria-se a falsa sensação de que as coisas estão em paz. Nos seus devidos lugares. A questão é que a areia e a água do lago não são permanentes. A areia precisa de algo, de uma força que lhe é externa, ainda que dentro do lago, para lhe tirar do lugar. O lago, a seu turno, acomoda ou incomoda um ecossistema que lhe é natural, mas não é permanente. Sofre as ameaças dentro da sua concha e fora ela. O que importa, em um final que nunca termina, é que nada fica do mesmo jeito que sempre foi, ou que sempre é.

O que vai em nossa alma também é assim. O documentário "Alma imoral", baseado no livro de Nilton Bonder, trata sobre essa impermanência. Essa oscilação que se move graças a tudo que transgride as regras. Ou tudo que transcende-as. Dá no mesmo, no final. Transgredir é transcender. A segunda pode parecer mais "católica", sim, é. Arrematada pela filosofia medieval, que se apropriou do Homem e de Deus. Em ambos os caminhos, revolve-se a areia no fundo do lago.

Não cumprir. Cumprir. Observar. Ir além. Superar. Mudar. Mudar. Mudar...

Precisamos escutar batidas para cumprir essas frases na sua essência. Batidas internas. Batidas de Deus? Que Deus? O Deus da paz, o Deus da guerra. Da guerra interna, que esfrega a moral na cara e diz: "vem". Pra onde? Por onde começar? A impressão que me dá ao olhar para o destino é ver que não há destino lhe esperando. Há o caminho pra caminhar, o presente pra construir e perceber que lá na frente, quando tudo faz sentido, quando pensamos ter chegado ao futuro... descobrimos que o caminho continua. Temos que agitar novamente a areia do fundo do lago.

Talvez porque seja assim. Talvez porque a verdade tem, sim, 360 graus. Quando deixamos a areia parada traímos nossa essência. A preservação é transgressão. É transcendência. É o duelo com Satã para achar nosso Deus. É prender o ar para encontrar a areia ainda não mexida no fundo do lago. Parece ser isso uma definição visceral da essência individual: procurar sempre a areia intocada, virgem de nós. A areia imortal, infinita, incólume às nossas impressões. O lago de Narciso. O fio de Ariadne. O santo Satã que nos impulsiona.


Serviço:
O documentário "Alma Imoral" é baseado no livro "A Alma Imoral", de Nilton Bonder. A produção audiovisual é dirigida pelo cineasta Silvio Tendler. Trata sobre questões relativas ao corpo, à alma, rupturas, obediência etc. Questiona o que acontece quando o corpo passa a ser um obstáculo e aborda o processo de quebra de tradições para ampliar fronteiras. Para assistir clique aqui.

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