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FANTASMINHAS NADA CAMARADAS

É uma mão-de-obra enumerar as razões pelas quais desistimos das pessoas. Estou falando daquelas que nos decepcionam. O ser humano é uma caixinha de surpresas. Às vezes, tropeçamos numa pedrinha e, noutras, atravessamos uma montanha. É porque não importa o tamanho do aborrecimento e, sim, o estrago que ele faz no nosso ego.

Longe de querer dizer que tenhamos que aceitar tudo de todos. Ninguém é perfeito. Mas em muitos casos deveríamos reavaliar o que nos faz desistir de alguém. Tentamos nos afastar da pessoa ou do que ela representa de ruim? E o que é ruim para nós? Muita coisa, com certeza.
Desistir de uma pessoa é uma forma de se proteger, de se evitar aborrecimentos. Mas também perdemos uma chance de pelos menos conviver com o que ela tem de bom. Afinal, ninguém é bom ou ruim por completo. Somos seres multifacetados. Mas temos, todos, um enorme defeito: colecionamos fantasminhas mentais. E esses, sim, nos fazem realmente mal.

Os fantasminhas atrapalham nosso caminho, não nos deixam chutar as pedras e ainda colocam outras, recheando a trilha de dificuldades. Os fantasminhas é que nos fazem desistir das pessoas. Um parente difícil, um amigo com o qual discordamos seriamente e até um parceiro que não nos agradou em certo momento.

Basta muito pouco para riscarmos as pessoas da nossa lista de favoritos. Elas passam para a caixinha de itens excluídos e ali ficam um tempão até esquecermos que elas existem. Aí, de uma hora para outra, algo muda a rotina da nossa vida. Uma doença inesperada, uma decepção amorosa, a perda de um ente querido, enfim, qualquer problema que nos desequilibre emocionalmente.

Nessas horas, um remédio é importante: amigos. Mas se nossos fantasminhas tiveram êxito, vão nos restar bem poucos amigos ou até nenhum. Como ficamos? Perguntem ao fantasminha. Sabem o que ele vai responder? Nada! Isso mesmo. De repente, numa hora dessas, nos sentimos sem chão, sem apoio, exauridos de energia mental.

Não cultivemos fantasminhas. Eles cegam a nossa visão do coração e ofuscam a racionalidade do pensamento. Antes, sejamos precavidos e, nunca, rigorosos demais para defeitos dos quais nem nós conseguimos nos livrar. Agindo assim, o inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã. Pode também continuar sendo um inimigo, mas pelo menos não obedecemos mais aos nossos fantasminhas nada camaradas.

Comentários

  1. Acabei de ler na Folha de hoje (19/09) sua coluna. Vc mentiu descaradamente logo no inicio. Disse que falar de amor é muito difícil. Para, logo em seguida, discorrer com propriedade sobre o assunto. Falou o óbvio que, justamente por ser óbvio, muita gente não vê, não sente, não vive. Vc fala com muita facilidade de amor. Espero que outros leitores e leitoras da Folha tenham se identificado com o que vc colocou ali. Parabéns pelo texto. Viva.

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