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CADÊ MARGARIDA?

Antônio já não sabia mais onde procurar a esposa. Em casa, os lugares mais limpos: cozinha, sala, sala-de-estar, quartos, banheiros, varanda. Ufa! O guarda-roupa, as gavetas, o armário da cozinha, o armário da área de serviço, todos, tiveram suas portas abertas e fechadas o equivalente a pelo menos um mês de uso normal. 'Onde diabos está Margarida?', perguntava-se ele, mentalmente. Margarida, esposa de Antônio, havia saído de casa pela manhã, para o supermercado. Só que já eram dez da noite e nada de ela voltar. O celular? Desligado. O telefone de casa? Nem um recado na secretária eletrônica. Era um sábado e Antônio estava desesperado. Telefonou para a mãe e contou o que estava acontecendo:

- Meu filho! Você já procurou a polícia?

- Não, mãe...

- Mas tem que procurar, filho! Olha, estou indo pra aí para a gente ir na delegacia, nos hospitais, no IML...

- Não é possível, mãe! Será que aconteceu algo de errado?

Imediatamente a mãe de Antônio, dona Otaviana, tomou um táxi e, quinze minutos depois, estava lá no apartamento do filho. Depois de bater de novo todos os cômodos da casa, saíram. Foram à delegacia e o delegado disse que tinham que esperar 48 horas para registrar uma ocorrência:

- Ela tem inimigos? - perguntou o delegado.

- Não. Pelo menos não que eu saiba. Ela nunca disse nada a respeito. - respondeu Antônio.

- Alguma ligação telefônica estranha nos últimos dias? Uma carta anônima? Algo suspeito...

- Também não.

- O senhor acha que foi sequestro, delegado? Meu filho não tem posses... - perguntou a

- Não, senhora, acho que não. Mas vamos esperar o prazo legal para registrar uma ocorrência. Sugiro que voltem para casa e fiquem esperando algum contato, alguma ligação. Nesse período é importante que alguém esteja em casa para o caso de ela telefonar ou alguém telefonar.

- Mas e o IML? Os hospitais? A gente não vai? - inquiriu dona Otaviana.

- Acho que agora o momento é esperar um contato. - aconselhou o delegado.

Antônio foi para casa, cabisbaixo, tendo ao lado a mãe tagarelando:

- Não gostei desse delegado, meu filho, ele devia ter registrado a queixa, mandado os policiais procurar nas ruas...

- Mãe, para. Eu já tô nervoso!

- Tá bom, filho! Desculpe. Mas eu vou ficar com você hoje. Vamos esperar a noite inteira. Se ela não aparecer a gente liga para a Interpol!

- Não exagera, mãe!

Chegaram em casa e a surpresa não poderia ter sido maior. Lá estava Margarida, lépida e fagueira, no sofá da sala, tomando um martini. O espanto de Antônio e da mãe foi grande. Falaram em uníssono:

- Margarida! O que aconteceu?

- Nada! A fila do supermercado estava grande. Estou exausta!

Antônio ajoelhou-se:

- Obrigada, meu São Lunguinho!

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