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José, um homem de fé


José tava de dar dó

Sol quente na moleira

Na garganta, aquele nó

Capinando e pensando

Onde estará a minha Filó?



Filomena é o nome

Da esposa de José

Que arrumou outro homem

E do sítio deu no pé



Mesmo levando o fora

Sendo por ela humilhado

Virando motivo de chacota

José gritou 'tão perdoado'



Mas Filó já estava longe

Na charrete do amante

Nem escutou o apelo

Do marido vacilante



E então José passou

A levar a vida à toa

Capinava no sítio

Fizesse sol ou garoa

Na esperança de um dia

Filomena retornar

E dizer: 'voltei, José'

Ao regaço do nosso lar



Mas já diz o ditado

Quem come se lambuza

E Filomena tem olhos

De invejar a Medusa

O amante é homem bonito

Rico, inteligente e educado

Que mulher não o preferiria

A um marido aloprado?



Quando Filó bateu o olho

No seu futuro affair

Pensou 'é com esse!'

Que daqui eu dou no pé

José nem desconfiava

Da tempestade que se formava

Só tinha olhos pro sítio

E pros bois que comprava



O homem entrou na sua casa

Com a desculpa de comprar

Umas cabeças de gado

Mas na verdade o que queria

Era a rainha do lar

E acabou conseguindo

Filomena levar



José pensava nisso tudo

Enquanto naquele sítio capinava

Será que Filó voltaria?

Era só no que ele pensava



Até que apareceu um anjo

E lhe falou sem rodeio

Homem, deixa de ser besta

Que mané pra tu não tem pareio



Mas José se recusou

Com si mesmo cooperar

E disse ao anjo

Que por Filó ia esperar



E assim passaram dez anos

A vida de José não mudava

Esperando por Filomena

Enquanto no sítio capinava

Até que surge a maldita

Maltrapilha e desdentada

Chorando e dizendo

Me perdoa! Tô aloucada!



José ajoelhou e agradeceu

A graça alcançada

Mas fez um pedido

Pra dar paz a sua morada

Suplicou que Filó

Continuasse enfeiada

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