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Ódio à poesia


Eu sempre fui um bom aluno

Na escola era muito aplicado

Só tirava nota boa

Nunca ficava pendurado



Achava química um dez

Gostava de matemática

Mas era em poesia

Que eu era um mata-mata



No entanto hoje eu digo

Que corro longe de poesia

Tudo que remeta a versos

Eu odeio, me dá asia



Essa mudança brusca

Tem uma explicação

Aconteceu depois de adulto

Por causa de uma traição



A mulher que eu escolhi

Para ser a minha esposa

Me traiu com o jardineiro

E do meu jardim levou a rosa



Eu amava Fernando Pessoa

Adorava o poema felicidade

Mas depois da trágica traição

Para esperança não tenho mais idade

Nem mesmo o Menino Jesus

Doce poema que a todos seduz

Pode me tirar dessa opacidade



Me encantava com Castro Alves

No seu Navio Negreiro a navegar

Mas depois da infame punhalada

Decidi as águas não mais admirar



Bebia os versos de Drummond

Como se bebe o melhor dos vinhos

Mas e agora, José? Pergunto

Amargo cá eu aqui sozinho

Porque essa infame esposa botou

Uma pedra no meu caminho



De Vinicius nem se fala

Com ele exaltava minha esposa

De tudo eu era atento a ela

Mal sabia que era uma raposa



Felpuda, linda e tão bela

Que varou o meu coração

Embora ela tenha sido infiel

Vou nutrir por toda a minha vida

Por ela uma forte paixão



Até pode soar estranha

Tamanha dedicação

A um amor infiel, traiçoeiro

Mas para isso há explicação



É que Lígia, tão boa mulher

É perfeita até demais

É muita areia junta

Para um pobre rapaz



Além de lavar, passar, cozinhar

E os botões da minha roupa pregar

Lígia ainda cantava para mim

Com uma voz de hipnotizar



E foi numa dessas músicas

Que ela fez a revelação

Disse que estava me traindo

E o amante não ia deixar não



Por isso que eu abusei

Dessa maldita poesia

Tivesse Lígia me dito

Na bucha, na lata, sem melodia

Eu até hoje por ela sonharia

E ainda recitaria

Um sem-número de poemas

Para a minha eterna

Garota de Ipanema

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