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Os finados


Todo Dia de Finados

Se divide Margarida

A visitar os dois homens

Mais importantes da sua vida



Ainda bem que eles estão

No mesmo cemitério

Sepultados a sete palmos

Descobrindo da morte o mistério



De um lado da morada

Está o marido marinheiro

E na ponta oposta

O amante galanteiro



O marido saía pro mar

Para lugares distantes

Foi numa dessas que Margarida

Conheceu o tal amante



Enquanto ela varria o quintal

Ele, esperto, se aproximou

Convidou-a para jantar

E de imediato ela aceitou



Já fazia três meses

Que o esposo navegava

Em mares misteriosos

E Margarida aproveitava



Quando o maridão retornava

Da viagem ao alto-mar

O amante dava um tempo

Para depois de novo voltar



E assim Margarida

Saboreou seus dois amores

Até que um dia experimentou

Viver amargos horrores



O navio afundou

E o marido morreu

Até que ele nadava bem

Mas o tubarão o comeu



E no mesmo período

O amante foi-se pra sempre

Bebeu tanto durante anos

Que o coração parou de repente



E Margarida experimentou

Dor e solidão tudo junto

E agora só lhe resta

Visitar os dois defuntos



E naquela necrópole

A triste viúva não sabia

Em que túmulo ia primeiro

Se no do amante inesquecível

Ou no do marido marinheiro



Demorou tanto pensando

Que começou a chover

E nem a sombrinha

Ela lembrou-se de trazer



E foi nesse meio tempo

Que se aproximou outra viúva

Perguntou se ela queria abrigo

Embaixo do seu guarda-chuva



Margarida agradeceu

E na conversa com a senhora

Acabou contando pra ela

Toda a sua triste história



A mulher pôs-se a rir

Do lamento de Margarida

Disse que era bobagem

Ficar chorando uma partida



Margarida intrigada

Perguntou-lhe o porquê

E a senhora explicou

Para Margarida entender



O campo santo estava cheio

De muita gente viva

E Margarida tinha que pescar

Um viúvo rico e na ativa



Margarida adorou

A sabida sugestão

E desde aquele dia

Ao cemitério não foi mais não



E que já no outro ano

Ela se mudou para o Nepal

Casada com um empresário

Que conheceu no dormitório final



Era um viúvo muito rico

Meia bomba, mas boa gente

E Margarida se interessou

Pela conta bancária somente



Mas pra não perder o costume

Margarida logo apronta

Arranjou um quebra-galho

Já que o velho não dava conta



E depois de uma fase boa

Aconteceu tudo de novo

Ficou viúva dos dois

Mas dessa vez, virou o jogo



Como estava rica e bonita

Não quis mais arriscar

Um rapaz de vinte aninhos

Era agora o seu par



(E até hoje está com ele!)

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