Existem palavras que só funcionam a partir de outras. Se as outras não existissem, essas palavras seriam só palavras. Um amontoado de sílabas fazendo algum sentido apenas a partir do som. Mas não. As palavras não se bastam. E não se bastam porque não têm fronteiras. Não há palavra que estreie. Sempre estará carregada e atrelada a outras. "Certeza", por exemplo, é uma delas. O que seria da certeza se não existisse a dúvida? Uma depende da outra para fazer sentido. Há quem diga que são a mesma coisa, embora se apresentem com roupas diferentes dependendo da situação. Quer um exemplo? Raciocine dessa forma: somos capazes de duvidar que a certeza existe? Não. Veja aí que a "dúvida" já entrou na frase anterior. Mas isso nos dá a certeza de que sempre podemos ter certeza de tudo? Não. Vez ou outra, ou na maioria das vezes, somos levados a duvidar do que temos certeza. Principalmente daquelas certezas que trazemos carregadas conosco, como se fossem parte de nossa alma, como se tivessem nascido junto com a gente, ou melhor, dentro da gente. Essas são as piores. Tão impregnadas ficam nas nossas mentes, que somos capazes de dar um braço (no sentido metafórico, claro!) para defendê-las. Mas basta vir uma outra certeza, mais certa do que a que estava entranhada em nós, para nos tirar o chão. Isso acontece muito nos relacionamentos. Todos sonham em encontrar a pessoa "certa". Veja só que dilema: namoramos com várias pessoas - não necessariamente ao mesmo tempo -, finalmente casamos, "certos" de termos encontrado a pessoa "certa" e daí vem algum fato novo que derruba nossa "certeza" do casamento perfeito, mesmo que com defeitos. É que certos defeitos abusam da nossa boa vontade e ultrapassam os nossos limites para suportá-los. Deslealdade, por exemplo, seria um defeito? Para uns pode até não ser, há outros que defendam isso fazer parte da espécie humana, mas há quem não aceite de jeito nenhum. Então, complica. Porque o casamento, antes perfeito com defeitos, torna-se inviável pela quebra da certeza da lealdade do outro. A pessoa antes certa passa a ser o maior erro das nossas vidas. Dar outra chance? Pular fora? São alternativas. Mas seja qual for, sempre vamos seguindo com nossas certezas abaladas. Se decidir continuar, a desconfiança vai reinar. Caso a decisão seja partir para outra, levaremos essa experiência gravada na nossa mente e, embora haja quem não compare, vamos estar com o nosso "certezômetro" mais sensível a movimentos estranhos. Mesmo que confiemos nessa nova "pessoa certa", teremos um parâmetro do que foi a errada. Para os pessimistas, o novo relacionamento seria uma incerteza, que é amiga da dúvida. Mas o que, na vida, é certo completamente? Então, sejamos otimistas, buscando sempre novas certezas.
Quando a areia repousa no fundo do lago, cria-se a falsa sensação de que as coisas estão em paz. Nos seus devidos lugares. A questão é que a areia e a água do lago não são permanentes. A areia precisa de algo, de uma força que lhe é externa, ainda que dentro do lago, para lhe tirar do lugar. O lago, a seu turno, acomoda ou incomoda um ecossistema que lhe é natural, mas não é permanente. Sofre as ameaças dentro da sua concha e fora ela. O que importa, em um final que nunca termina, é que nada fica do mesmo jeito que sempre foi, ou que sempre é. O que vai em nossa alma também é assim. O documentário "Alma imoral", baseado no livro de Nilton Bonder, trata sobre essa impermanência. Essa oscilação que se move graças a tudo que transgride as regras. Ou tudo que transcende-as. Dá no mesmo, no final. Transgredir é transcender. A segunda pode parecer mais "católica", sim, é. Arrematada pela filosofia medieval, que se apropriou do Homem e de Deus. Em ambos os caminhos, revo...
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