Ele
chegou como sempre fazia. Soturno, cabisbaixo, quieto. Chegou como se fosse um
ninguém, ou melhor, um alguém metido a ninguém. Se é que alguém pode se sentir
assim, ou não seria mais comum o contrário. Sentou-se no lugar de sempre. A
última fila. Vantagem de quem senta lá atrás e pode se encostar-se à parede.
Nem todas as fileiras de cadeiras possuem uma parede por trás.
A
verdade é que ele gostava daquela parede. Mais especificamente gostava daquele
pedaço da parede. Pedaço cuja localização é equivalente à oitava coluna da
vigésima linha. Uma matriz determinante lhe determinava o lugar de sentar-se.
Taciturno, não dava uma palavra. Passava quatro horas sentado ali. Nem ao
banheiro ia. Tinha seus dezoito anos, ainda era jovem para ter rins
preguiçosos. Talvez fossem sentir isso com o peso da idade e com a
naturalização daquele hábito nada saudável de não beber água e,
consequentemente, não sentir tanta vontade de esvaziar a bexiga.
Os
colegas saíam várias vezes. Nos horários de intervalos e também nos momentos em
que não era permitido sair. Difícil controlá-los. Mas ele estava ali,
impassível e incorruptível. Não arredava o pé até o apito final. Nem em dia de
jogo de futebol deixava de comparecer àquele recinto. De segunda a sexta-feira
aquela era a sua rotina. Aquela era a sua vida. Tinha por aqueles momentos uma
adoração nelsonrodrigueana, quase
beirando a obsessão. Mas uma obsessão benigna, que não tragava a alma. Só um
pouquinho.
Muitos
o achavam estranho. Recebia vários apelidos: caxias, CDF, nerd. Não se importava. O que realmente era importante estava lá na
frente da sala. Na frente do quadro negro, que nem era quadro e nem era negro.
Era uma lousa branca. Fixava tanto o seu olhar ali que parecia estar sentado na
primeira fila. Não gostava de sentar na primeira fila. Preferia o anonimato
garantido pelo fundo da sala. Um anonimato identificado, já que respondia à
chamada, mas sutil. Respondia e só. Era o único contato que fazia com alguém.
Um firme ‘presente’ apenas para garantir de que era ouvido pelo professor.
Até
que certo dia o jovem não veio. E nem no outro dia. E nem no outro. Os colegas
estranharam, afinal, o ‘caxias’ não era de faltar à aula. Com a sua ausência
por uma semana, já começavam as conjecturas. Será que morreu? Que ficou doente?
Que fugiu? Muitas eram as suposições. No entanto, ninguém procurava de fato
saber do seu paradeiro junto à família. E assim passou. Passou um mês, dois,
terminou aquele ano e entraram outros alunos naquela sala. Cinquenta anos se
passaram e eis que um dia, no início de um novo ano, sentou-se um jovem ali,
naquela cadeira que certamente não seria a mesma. Mas na mesma localização: a
oitava coluna da vigésima linha. E não falava com ninguém...
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