A inquietação
Estou eu aqui, parada, nessa sala, sentada no sofá. Pensando
na vida. Pensando em como poderia ser a vida se eu não tivesse me casado com
Pedro. Ah, Pedro! Jovem, cheio de vida e promessas. Prometeu-me o que podia e o
que não podia cumprir. Só conheci Pedro como homem. Nenhum outro. Nenhum outro
beijo ou invasão mais íntima. Pedro era o sonho para qualquer mulher da minha
idade e na minha época: um rapaz para casar! E como toda boa moça de família,
fui educada para ser esposa e mãe. Esposa e mãe. Esposa e mãe. Era o que minha
mãe martelava na minha cabeça o tempo todo. Pequena, aprendi a a rezar. Quando
sangrei, aprendi a me conter. Uma moça direita tem que se conter e fingir que
não existe o tesão. Pelo menos até o casamento. E, dependendo do esposo, o
tesão continuaria sendo coisa de mulher-dama. Mas o que estou eu aqui a fazer?
Sentada nesse sofá, parada no tempo em pleno ano de 2012. Quem me dera ter
nascido há apenas 30 anos. Mas não, fui inventar de chegar junto com a
televisão. Anos Dourados? Para quem?
Para mim é que não. Tão acostumada a dizer sim e aceitar, aceitar e
aceitar.
A dúvida
Como seria se, ao invés de me contentar com essa vida,
declarasse guerra a Pedro? Será que ele ia aguentar não ter mais quem o esperasse
à noite com uma sopa quentinha de legumes com arroz? Ah, homem dependente! Não
evoluiu com o tempo porque não se inquietou. Acomodou-se. Eu não fico muito
atrás. Estou inquieta, mas não acomodada. Às vezes invejo Pedro. Quase setentão
e tão conformado em levar uma vida mediana, para não dizer medíocre. Só não me deprimo
de vez porque ainda fiz uma faculdade. Aos cinquenta, mas fiz. Nisso tive sorte
com Pedro. Depois que envelheceu, ficou mais flexível. Mas será que é só isso a
vida? Se eu tivesse outro homem? Se eu experimentasse ser invadida por outro?
Seria a mesma coisa? Seria melhor? Acho que morri para a vida. Pedro está tão
acostumado a mim e eu a ele que nunca pensaríamos que o outro fosse capaz de
uma traição. Mas a esta altura da vida nem seria mais traição. Seria uma
espécie de recall de mim mesma e um teste de fidelidade a Pedro. Jamais
conseguirei morrer sem ter certeza que sou fiel ao meu marido. Com todos os
defeitos, mas ele é o meu marido. Eu gosto dele. O amor é uma questão de tempo.
Vem com o tempo e vai com o tempo. Uma transa com outro homem só ia me
reafirmar essa fidelidade. Afinal, voltaria para Pedro mais madura e tranquila
com a minha consciência. O que não posso ficar é com essa droga de pensamento
na cabeça.
A traição
Pedro vai sobreviver a isso. Não imaginava nunca que Rui
fosse tão especial.
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