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O espelho





Um dia, certa vez

João dormiu e acordou
Numa terra desconhecida
Onde nunca antes passou

Um cenário grande e bonito
Cheio de flores e muito tranquilo
Empolgado, João até se esqueceu
Que ia trabalhar depois do cochilo

Enquanto ele caminhava
Naquele estranho e lindo lugar
Deparou-se com uma caverna
Tomou coragem e resolveu entrar

Dentro da caverna só havia
Morcegos e muita escuridão
Até que lá no fundo
João avistou um clarão

Foi entrando mais e mais
E o clarão se transformou
Em uma espécie de espelho
Que tomou vida e lhe falou:

‘Estranho, estranho visitante:
Já que chegou até aqui
Tem direito de optar
Se quer saber a verdade
De todos que contigo falar’

João ficou receoso
Mas se era uma opção
Resolveu dar uma resposta
E disse ao espelho: ‘quero não!’

O espelho falante
Alertou ao visitante
Que esta opção
Iria deixar João brochante

Já que era daquela forma
João resolveu então
Que nada teria demais
Aceitar a sugestão

Mesmo que imposta à força
De saber de tudo a verdade
Era melhor do que brochar
Ia ser uma calamidade!

O espelho agradeceu
Pela resposta de João
E mandou-o embora
Disse: ‘Vá e não acorde não!’

João abriu os olhos
Estava no sofá da sala
‘Foi um sonho’, pensou ele
Mas que espelho mala!

Naquele mesmo momento
A esposa de João entra em casa
E diz em sonoro lamento:
‘Vai-te embora! Cria asa!’

Assustado com tal afirmação
João pergunta: ‘Por que minha nega?
Tem pra mim alguma surpresa?’
Estabanada ela diz: ‘Meu amante já já chega!’

Imediatamente naquele segundo
João lembrou-se do espelho
Tentou dormir de novo
Para ir falar com aquele pentelho

Quando ia pegando no sono
A esposa o chamou:
‘Acorda, homem medonho!
Inventasse de embaçar logo hoje
Que eu marquei com o Antônio?’

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