Pedro cisma
quando assiste à novela das oito. Ele tem dez anos e toda noite, de praxe, a
família senta para ver a TV. O pai, a mãe, a avó e ele. Mas uma questão central
sempre intriga Pedro: porque as pessoas perdem tanto tempo vendo uma vida que
elas não têm? Durante a novela, para o ódio do pai e irritação da mãe, faz um
monte de perguntas:
- Mãe, porque essa mulher está dormindo
com outro homem que não é seu marido?
- Cala boca, menino, deixa o comercial passar
que eu explico!
- Pai, porque aquela menina ainda não
casou e já está grávida?
- Se não calar essa boca vai levar umas
chineladas! Que vício de perguntar!
Para a avó,
Pedro nem se dá ao trabalho de fazer perguntas. Dona Vitinha quase não ouve e
cochila a novela inteira. Acho que fica ali na sala só para compor o quadro da
família completa, tipo comercial de margarina, sabe? Mas Pedro, incansável nas
suas perguntas, sempre arranja um jeito de interromper a atenção dos pais na
caixa preta para cravar um de seus pueris questionamentos filosóficos:
- Mãe, o pessoal dessa novela parece
maluco. Não tão vendo que aquela mulher é quem está prejudicando todo mundo?
Porque ainda não a desmascararam?
- Assim a novela acaba. Ainda não tá no
tempo, filho.
- E quando vai chegar o tempo?
- Quando o autor achar que chegou.
- E depois? O que acontece, pai?
- Começa outra novela.
- Hummmm
Todos, inclusive Pedro, concentraram-se
para assistir à última parte daquele dia. O pai chamou logo a atenção do
menino:
- Olha Pedro, cala a boca que essa é a
parte final de hoje. Nada de perguntas.
E o capítulo
transcorreu normalmente. No final, quando a música final já estava passando,
Pedro cravou mais uma pérola, que não era propriamente uma pergunta, mas uma
observação:
- Mãe, acho que já descobri onde o autor
vai buscar tanta história para mostrar na novela.
- É mesmo, querido? E onde é?
- Na vida das pessoas mesmo. Pessoas
assim como a gente.
- É, pode ser...
- Pode ser não, mãe. É mesmo. Veja só a
história daquele homem que tem três mulheres, o papai, por exemplo, não tem
outras duas mulheres?
- Mas não foi ao mesmo tempo, Pedro. Seu
pai é separado duas vezes.
- Mas e aquela mulher que tem o marido e
apareceu um dentista? Ela se deita com o marido e o dentista...
- É... muita gente faz isso...
- Aquele dentista que veio aqui mãe...
Não deu nem para Pedro falar o resto. A
mãe tapou a boca do menino com a mão. O pai estava no banheiro. Não viu a cena,
que bem poderia ser de novela. E das oito.
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