Estava dormindo. O despertador tocou na hora marcada. Àquela hora em que a cidade acorda. Tocou dez minutos depois. E depois de mais dez. Estava difícil levantar naquele dia. Abriu o olho a muito custo. Fez menção de erguer-se, mas a dor nas costas não deixava. ‘Porque é tão difícil recomeçar?’, pensava. Até que a vontade de urinar falou mais alto. Finalmente saiu da cama, embora fisicamente apenas. Porque a alma ainda estava adormecida. E estava assim já há vários meses. Desde que se descobriu só depois de dez anos de vida em comum.
Estranho ter que se readaptar em não mais dividir a cama com outra pessoa. Não sentir o calor do outro e nem ter que disputar o lençol quando o frio assola de madrugada. Mas a cidade acordava todos os dias para sua infelicidade e seu incômodo. O sol nascia, e os carros apareciam nas estradas e avenidas. Suas buzinas mais frequentes à medida que o dia avança denuncia que é preciso andar para frente. Viver o presente.‘Mas que presente? Uma rotina de dor constante? De sensações penosas de abandono e solidão?’, refletia.
Engraçado como essas reflexões não conseguiam ganhar espaço ao longo do dia. Tinha que se preocupar com o trabalho. Sorrir, dar bom dia, boa tarde e boa noite para pessoas que não enxergavam na sua cara a luta interna para manter-se de pé. Difícil fingir que se está bem. Mas, pensando minuciosamente, nem precisaria tremendo esforço para ostentar uma máscara falsa. Como geralmente ninguém rotineiramente enxerga o outro além do superficial é esforço jogado fora a tentativa de fingir estar feliz. Bastaria tão somente seguir o script do cotidiano.
E aquele foi mais um dia. Que seria igual aos outros dos últimos seis meses não fossem os movimentos de rotação da Terra e o consequente avanço no calendário. Tem gente que passa anos assim. Até que um dia as coisas começam a clarear. Parece mágica, mas não é. Aliás, não tem nada de mágico. Tem mais a ver com as leis da química e física. Nada é estável para sempre e tudo pode ser visto sob outros ângulos. Essa mudança começa na intensidade da solidão, que enfraquece. Um novo amor, um novo projeto de vida, ou simplesmente a superação. Não importa qual a causa, importa que sempre saímos do fundo do poço. E aí, já viu como está a lua hoje?
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