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Regando a horta

A palavra felicidade vem do latim “felix”, que significa “frutuoso”, “fértil”, “fecundo”. Sempre dizem que não existe felicidade completa e sim momentos em que ela se faz presente. Será mesmo? Quando falamos em felicidade, pensamos em coisas boas.  Mas são boas apenas na nossa concepção e na de muita gente. Ganhar uma promoção, passar no vestibular, casar, ter filhos. Claro que tudo isso é positivo para uma grande parte das pessoas. Mas estou falando de outras coisas que poderiam ser boas se encaradas com outros olhos.  Separei duas para nossa reflexão: divórcio e perda de um ente querido pela morte.

À essa altura vocês, caros leitores, devem estar achando que eu enlouqueci. Mas explico para você desfranzir o cenho. Nós somos levados a achar bom tudo o que não nos incomoda, tudo o que nos dá conforto e não exige muitos sentimentos para administrar possíveis mudanças que nos chegam. Isso é normal. Afinal, somos humanos e estamos aqui aprendendo, aprendendo sempre. Aprendem até aqueles que acham saberem de tudo.

Pois bem. A separação de uma pessoa amada e a perda de alguém que faz a passagem para o outro lado da vida podem ter significados diferentes. Podemos significá-las na nossa mente de forma que aprendamos com elas. Pensem bem: se veio uma mudança desse tipo, então que possamos passar por ela e sairmos maiores, mais maduros, mais seguros.

Para muitos, a morte de uma pessoa querida chega como uma tragédia. Mas nos ensina muito. 
Começando por uma lição básica: um dia nós vamos deixar esse mundo. Se por doença, por acidente ou outra causa, não sabemos ainda. Mas vamos ter de fazer “a viagem”. Então, nos preparemos desde já para ela. Não significa que devemos viver pensando na morte. Mas, sim,  pensando em viver bem, em fugir de intrigas, em ajudar o outro, em perdoar nossos desafetos. Só essas tarefas nos exigem uma boa dose de sentimentos que precisamos exercitar: paciência, desapego, bom humor, resignação e por aí vai. E para os mais temerosos, um conselho: vale muito a pena viver bem porque tudo que aprendemos levamos quando formos embora desse mundo para outras missões.

O fim de um casamento, de um relacionamento amoroso, nos dá um baque danado. Mas igualmente traz uma série de ensinamentos. Ter independência emocional, a oportunidade de governar nossa vida, a gostar de nós mesmos. Acreditem: muita gente acha que ama quando diz: “Amo você mais do que a mim mesmo”. Perigo! Sinal vermelho quando a pessoa mais importante não é você! E isso não é uma ode ao egoísmo. É, sim, um convite ao amor-próprio.


Não viva apenas. Viva feliz sempre. Porque somos, em essência, férteis para a felicidade. Basta regar a horta.

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