Pular para o conteúdo principal

Tempo afiado

Há tempo para tudo já a partir do momento em que nascemos.  Só que entre o nascer e o morrer existe o viver. É aí que o bicho pega. O que fazer com esse enorme intervalo de tempo que temos e que cada vez mais fica maior, levando-se em conta o aumento da expectativa de vida da população? Sem adentrar nos áridos números do IBGE, o fato é: o que fazemos com o nosso tempo é nossa assinatura pessoal. 

Em relação ao tempo, podemos dizer que vivemos de ilusões. E a primeira delas é acreditarmos que temos todo o tempo do mundo. E não temos sequer os minutos seguintes. Nós só temos o tempo presente, aquele em que respiramos, aquele em que dizemos “eu te amo”, aquele em que dizemos “Nunca mais” para algo que nos tira do prumo. E seguimos vivendo convictos de certezas, que mudam através dos anos.

Outra grande ilusão é a juventude. Quantos, inconscientemente , se comportam como se os 20 anos fossem para sempre, mesmo sem saber que não são?  E à medida que os anos vão passando, parece que vamos acordando para as décadas que vamos vencer: 30, 40, 50 anos... A essa altura a ficha já caiu, espero. Passamos a experienciar o doce sabor da maturidade. Que só vai nos aprimorando, nos preparando para o futuro. Que com certeza vai ter a nossa assinatura. O nosso futuro depende em grande parte de nós mesmos. Das nossas crenças, das nossas ilusões, dos nossos benditos equívocos e consequentes acertos.

O tempo pode ser nosso aliado ou nosso inimigo. Depende do que fazemos dele. Como foi o seu dia hoje? Você terminou o dia menor ou maior do que começou? A resposta faz toda a diferença. Para nos sentirmos bem com ela é preciso trabalho. Resignação e ousadia, temperança e humildade, justiça e compreensão. Tudo na medida certa. E vamos dosando. Vamos errando, acertando, voltando a errar e, enfim, driblamos as armadilhas do tempo. Tornando-o nosso parceiro. Quanto mais temos tempo, mais crescemos. E o bom da festa é que a música toca conforme a nossa dança.

O pensador Ovídio (43 a.C. - 17 d.C.) dizia “tempus edax rerum”, que significa “o tempo devorador das coisas”. Ou seja, o tempo parece ter dentes afiados. Que vai devorando tudo que é passado por ele. É um grande buraco que vai nos engolindo e vamos reagindo, vivendo e ele continua a nos engolir e nos preparar para o futuro, que está condenado a ser devorado por ele também. Então, não vivamos de ilusões. Aproveitemos o tempo. “Carpe diem”, dizia Horácio (65 a.C. – 8 d.C.), convidando-nos a “colher o dia de hoje”. Não abandonemos nossas convicções, mas sejamos humildes o suficiente para mudá-las quando for preciso. Se o tempo tem dentes afiados. Fujamos das mordidas, então.

REFLETINDO

“Na véspera de não partir nunca, ao menos não há que arrumar malas”, Fernando Pessoa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

José, um homem de fé

José tava de dar dó Sol quente na moleira Na garganta, aquele nó Capinando e pensando Onde estará a minha Filó? Filomena é o nome Da esposa de José Que arrumou outro homem E do sítio deu no pé Mesmo levando o fora Sendo por ela humilhado Virando motivo de chacota José gritou 'tão perdoado' Mas Filó já estava longe Na charrete do amante Nem escutou o apelo Do marido vacilante E então José passou A levar a vida à toa Capinava no sítio Fizesse sol ou garoa Na esperança de um dia Filomena retornar E dizer: 'voltei, José' Ao regaço do nosso lar Mas já diz o ditado Quem come se lambuza E Filomena tem olhos De invejar a Medusa O amante é homem bonito Rico, inteligente e educado Que mulher não o preferiria A um marido aloprado? Quando Filó bateu o olho No seu futuro affair Pensou 'é com esse!' Que daqui eu dou no pé José nem desconfiava Da tempestade que se formava Só tinha olhos pro sítio E pros bois que comprava

No velório de Aldemar, todo mundo tem o que falar

No velório de Aldemar, só a vela fica em silêncio... A casa de Aldemar estava cheia. Mas sempre vivia assim quando ele ainda respirava. Agora ele estava ali, naquele caixão com a portinha de vidro mostrando-lhe o rosto sereno. Talvez esse fosse o último dia em que aquela casa via muita gente. Aldemar era bem conhecido, não necessariamente querido, mas bem popular no sentido de ser uma pessoa do conhecimento de todos. Perto dali, ainda na sala, os cochichos: - Soube que ele tinha outra mulher e até teve um filho com ela. - E eles vêm para o enterro? - Não sei. Acho que a família oficial não iria querer, né? - Mas a esposa sabe? - Essas coisas... Acho que sempre sabe. No terraço, mais comentários: - Parece que ele devia a um agiota. Bronca grande! - É mesmo? E agora? Porque agiota nunca quer perder... - Acho que a família vai ter de pagar. - Mas eles sabem da dívida? - Não sei. Certamente a esposa sabe. Difícil não saber. Na frente da casa: - Dissera

AMOR LONGE

Não tem coisa mais frustrante Do que namorar de longe Um lá e outro aqui Que nem freira e monge Dizem que a distância aumenta No coração a saudade Mas se você tem urgência Tem que sair da cidade Numa situação dessa É aconselhável pensar Viver junto daria certo? Melhor não especular Já diz um velho ditado Quem casa, quer casa Mas nos tempos de hoje Quem casa, descasa! Porém não quero que pensem Que sou contra o casamento Dormir junto é muito bom Mas pode ser só momento Se você não escolher bem Com esse tormento convive E pra quem namora de longe Disso já está livre Mas livre não está Quando a carência bater O jeito é apelar Pra internet resolver Pela web se conversa Por texto, vídeo e áudio Riem, brigam e choram Depois, cada um pro seu lado Mas também é vantagem Viver um amor assim Aparecem outras pessoas Pra aliviar a fase ruim Agora vamos ser justos Não é legal enganar Se alguém é só um escap