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Quarentena da varanda



Virgínia tinha 47 anos e observava a paisagem da varanda de seu apartamento. Fazia isso já há quase 40 dias. Estava em quarentena. Ela e um terço da população do planeta. Um vírus novo, altamente contagioso e letal colocou todos em casa. Ou pelo menos os que quiseram e puderam ficar. Ela tinha 47 e olhava a paisagem da varanda... Uma vida parada ou pulsante? Engraçado ela comungar dos dois pontos de vista. A cidade estava aparentemente parada. Ouvia e via um carro aqui, outro ali cortar a avenida. Mas as pessoas estavam pulsantes. Cada uma com seus anjos e demônios internos e externos para lidar. Quarentena sozinho, quarentena com a família... Um desafio diário.

Imagem: Joseph Redfield Nino / Pixabay
Virgínia refletia sobre aquele desafio na vida dela. Não o tempo todo. Procurava dividir a rotina para ter uma rotina. Uma que fizesse sentido. Um novo pra o novo tempo. E um novo para um tempo mais novo ainda que estava por vir. Mas, entre os pensamentos, foi caçar algo na Netflix. Deparou-se com um documentário. “Secreto e proibido”. Duas palavras-chave que a audiência adora. Mas não eram só palavras. Eram uma vida. Uma história de vida a dois, ou uma história de como envelhecer bem, ou uma história de como seguir em frente, ou tudo isso junto.

Ficou pensando, enquanto via o desenrolar da trama, como podemos encarar as coisas de formas diferentes. Qual a importância de sempre seguir em frente mesmo quando as coisas estão difíceis? Qual a importância de manter a calma mesmo quando tudo parece desmoronar? Qual a importância de buscar o equilíbrio quando tropeçamos no desespero? Uma oscilação que nos assombra e ao mesmo tempo nos ensina a lidarmos com ela. O amanhecer e o anoitecer, a sístole e a diástole, o acende e apaga. Tudo muda, muda e muda de novo. Na verdade, o novo somos nós. Nesse minuto. No aqui e agora. Virgínia olhava para a varanda. Descontente. Contente. Ambos. Talvez fosse isso a aprender naquela quarentena. Talvez aquela quarentena a ensinasse de vez a lidar com as mudanças. Porque mudamos mesmo quando não mudamos.
...

O documentário? Vale assistir.

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